Re: traduzir ou não, apresentando-me
Olá a todos.
Meu nome é Daniel, e entrei nessa lista há alguns dias. Por algum tempo devo
ficar aqui só como expectador, porque estou estudando para a segunda fase da
fuvest e unicamp e preciso dar prioridade a isso. Mas não resisti a dar uns
palpites nessa discussão de alto nível sobre tradução e língua, assim estou
aproveitando para me apresentar.
Quoting Henrique Pedroni Neto <henrique@ital.org.br>:
> Não descordo e nem concordo, quanto ao aportuguesamento em alguns casos
> já é feito, como a palavra escanear, mas em outros não tem jeito como por
> exemplo download.
Nos casos em que não houver uma palavra no português incorporar a palavra de um
outro idioma, depois de devidamente aportuguesada, é uma das opções possíveis.
Mas o que se vê na informática, na maior parte do tempo, é o uso de termos que
poderiam perfeitamente ser traduzidos, mas só foram mantidos assim pelo hábito
ou pela preguiça de quem traduziu. Nos exemplos mencionados, por exemplo, ao
invés de escanear poderia-se perfeitamente adotar uma palavra mais próxima e
menos artificial, como digitalizar. Download poderia perfeitamente ser chamado
de cópia de arquivo, baixa de arquivo, ou algum outro termo ou expressão
similar. Considero inclusive que assim é muito mais fácil, para alguém que
desconhecesse o significado, deduzir do que se está falando.
> |Certo. E do fato de que as pessoas compreendem o sentido de "dock" segue-
> |se que não devemos traduzí-lo? Não, Henrique, é o que penso. Fosse assim,
> |nossa língua sumiria, literalmente, em poucos anos, pois a capacidade
> |de compreender palavras em língua inglesa aumenta vertiginosamente,
> |principalmente com o advento da internet.
>
> A lingua não some, ela modifica-se. Compare nosso idioma atual com ele a 100
> anos atrás, já mudou muito, incorporou novas palavras perdeu outras.
Quanto a esse exemplo de "aplicativo dock" e "aplicativo dockable" também
poderia ser traduzido. Que tal "miniaplicativo", ou "miniaplicativo do
windowmaker" no lugar de "aplicativo dock"? E usar "miniaplicativo ancorável"
não é muito mais expressivo do que "aplicativo dockable"? (principalmente para
quem não está acostumado com o inglês, e não sabe o que significa o
sufixo "able", nem o que quer dizer "dock").
Em alguns raros casos realmente é interessante usar a palavra tal como veio do
idioma original, apenas aportuguesada para se adequar a nossa pronúncia e
escrita. Mas na maioria das vezes fazemos isso quando não nos vem de imediato à
cabeça uma tradução adequada. Ou seja, por limitação do nosso vocabulário. No
final trata-se mais de uma questão de hábito, que no início gera algum incômodo
e estranheza de usar a nossa palavra para expressar algo que já havíamos
associado a uma palavra estrangeira. Depois de algum tempo acostuma-se e então
usar a palavra estrangeira no meio de um texto na nossa língua é que parecerá
bastante estranho. Por exemplo, eu costumo usar o termo "sítio" para me referir
a uma página da internet. No começo as pessoas estranham, mas depois acabam
adotando, como em uma outra lista de que participo. Temos várias possibilidades
para designar o "site" em nossa língua: sítio, página da internet, página. Em
último caso poderíamos até aportuguesar para "saite", o que é totalmente
desnecessário nesse caso. Mas aí está uma outra palavra que veio tal e qual é
usada no inglês e cuja adoção foi muito adequada: "internet". Trata-se de algo
que não existia, e portanto não tínhamos nada adequado na língua. Claro que
poderíamos também ter inventado algo como "interrede", ou algo assim (parece
estranho, né? Pois é a pura questão do hábito).
O problema nisso tudo, como alguém disse na lista, é de uma questão ideológica.
Ser tão restritivo assim quanto a incorporar novas palavras pode parecer
exagerado e ser questionado, mas quase ninguém lembra nem questiona a enorme
invasão cultural americana no mundo. Não se trata de adotar o discurso
simplista do anti-americano, mas de preservar o que é nosso. Se eles são tão
invasivos, temos todo o direito e até o dever de nos resguardamos desse estupro
cultural.
Uma língua carrega uma gigantesca carga cultural, que vai além do significado
aparente que damos às palavras. Por exemplo, por que a linguagem coloquial do
americano médio é tão pobre? Tudo é "get" alguma coisa: get in, get out, get
inside, get, get... Até os palavrões são reduzidos: tudo é "fucking"
isso, "fucking" aquilo. Isso reflete diretamente a cultura americana de
simplificação. Isso, por sua vez, está ligado intimamente ao grande
desenvolvimento técnico direcionado para a eficiência dentro do sistema
capitalista. A partir disso criou-se toda uma tradição de velocidade,
eficiência, simplificação, imediatismo. Não trata-se apenas de uma forma de se
expressar, mas de um espelho de um povo.
Não se trata apenas de preservar a língua como um registro histórico. As
palavras que usamos influi diretamente em como nos sentimos em relação às
experiências. Ou seja, a comunicação não só descreve a realidade, como *cria*
realidade. Se você disser que ficou *meio incomodado* com algo, ou que ficou
*furioso* com algo, isso muda a forma como você representa a situação dentro de
sua mente e vai alterar o modo que você se sente. Adotando um novo vocabulário,
vêm junto toda uma nova forma de pensar, ligada ao povo que originou a língua.
Espero ter ajudado a reflexão da responsabilidade do tradutor. Me desculpem se
me alonguei demais.
Abraços,
Daniel Camolês.
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