[Date Prev][Date Next] [Thread Prev][Thread Next] [Date Index] [Thread Index]

Re: ENC: vamos boicotar????



Em Fri, 4 Apr 2003 18:16:01 -0300
"Valter G. Nogueira Jr." <valter@intersic.com.br> disse que:

> ISTO É A MAIOR BOBAGEM QUE EU JÁ VI NA MINHA VIDA!!!!!!!!!!!!!!!!!

Primeiro, modere o modo como fala. Isso aqui é uma lista civilizada e a
gente discute via argumentos, não via insultos.

> 1. O boicote não tem efeito econômico prático.

Não me insteressa. Um dos princípios da desobediência civil (que nem é o
caso, pois eu POSSO fazer isso) é: "Eu não colaboro." Se isso vai fazer
diferença, não é da minha conta. Não quero e não vou apoiar alguém que
não tem a mínima consideração com os demais habitantes do planeta.
Eu simplesmente não quero nada deles. Não quero me envolver com nada
deles.

Quando a França, ao contrário de todos
no mundo resolveu explodir uma bomba atômica em Moruroa, eu passei
um ano sem comprar NADA da França, inclusive cultura. Descobri: que
os vinhos espanhóis e chilenos são ótimos, que a Photo (revista de foto-
grafia francesa não é o máximo). O único desconforto foi esperar um
ano pra ler um Asterix que tinha sido lançado... :-)
Fez diferença pra França? Duvido. Fez diferença pra mim? Certamente.

> 2. Nada mais de utilizar telefone ou energia eletrica nas areas
> abastecidas por empresas americas, ou britanicas, espanholas ou
> italianas?

Não, eu nem sempre tenho escolha. O monopólio é a mais moderna escravidão.
Mas onde eu tenho liberdade de usar minha escolha eu a uso.

3. O boicote dá uma impressão de apoio ao Saddam - vale
> lembrar os 100.000 curdos mortos, ou a invasão do Kwait, ou a guerra
> contra o Irã, ou o crime ecológico de incediar poços de petroleo

Humpf... Quer dizer que uma pessoa não gorda é magra? Por favor...
Não seja tão limitado e maniqueísta quanto, humm, o Bush. 

Se dá a impressão, tenha consciência que é só e apenas só o seu
ponto de vista. Talvez você não tenha reparado que o resto do mundo
(inclusive os árabes) são contra a invasão E contra o Saddam.

> 4. Os EUA são um país democrático e logo o Bush vai passar, como
> passaram o Bush pai e o Reagan.

Democrático? Aonde? Me corrija se o atual presidente não foi eleito
pelo judiciário quando o correto seria pelo povo. Quanto a ele passar,
o problema é: como vai estar o mundo quando esse mentecapto sair
da presidência? Alguém é insano o suficiente pra imaginar que será 
um lugar melhor? E não estou falando pro povo dos EUA, uma vez
que _não_ estará: ele cortou impostos (favorecendo 1% mais rico)
em detrimento de serviços sociais e da educação.

> 5. No Iraque as coisas ficariam na mesma mesmo após a saída do Saddam -
> os filhos assumiriam.

Um modo de democratização _efetiva_ e duradoura é como faz a Europa,
que já tomou muito na cabeça com suas experiências de intervenção:
você ajuda o país a escolher o próprio destino, forçando diplomaticamente
as alterações.
TODOS os lugares onde os Estados Unidos intervieram a democracia 
piorou! Porquê? Porque ele _nunca_ interveio com intenção de melhorar a
sociedade local. Sempre houve um motivo MUITO ganancioso.

> 6. A guerra está mostrando aos "estadunidenses" que invadir um país,
> mesmo pequeno e combalido por 10 anos de embargo economico, não é fácil,
> imagine então uma economia organizada.

Não? Aonde você viu isso? Assistindo Hebe? Pois saiba que os senadores 
estadunidenses estão propondo a retirada dos Estados Unidos da ONU
e da OMC. Dado que a gente pode fazer o que quiser, pra que depender
dos outros? E isso NÃO é uma característica do governo atual. Quem 
trabalha com tecnologia sabe que qualquer comissão técnica dos 
Estados Unidos só entra em um comitê pra _ditar_ os padrões. Se os
padrões não seguem o que eles especificaram eles simplesmente 
_abandonam_ o comitê esvaziando seu significado. Isso é cooperação
estadunidense. Como disse Saramago: "O Erro do Aznar é não saber
que os Estados Unidos não fazem amigos". Na _primeira_ oportunidade
que não lhes interessa, eles simplesmente _descartam_ os "aliados".
Bastou um pequeno problema e eles ameaçaram descartar os ingleses!
Que lamberam as botas dos EUA desde o começo!!!

> 7. "Estadunidense"?! Que droga eles são americanos e eu brasileiro - nem
> vem dizer que eu sou americano e tenho alguma coisa em comum com a
> America Central, com o México ou qq outro país sulamericano. Sai fora!
> 8. O Bush é meio louco, a administração tem indicios de corrupção - mas
> deixar uns malucos com armas quimicas e nucleares....sem comentários

A América começou em Cuba. Eu sou americano. Nasci na América. 
Aliás, se você reparar, eles usam "americano" porque o país deles nem
sequer tem um nome. "Estados Unidos da América" tem a mesma 
construção que "Casas Amarelas da Rua". Isso é nome?

Dizer que os Estados Unidos é a América é uma ignorância tão grande quanto
dizer que a Rússia é a Europa. Aliás ignorância típica dos estadunidenses,
acostumados a olhar sempre o próprio umbigo. Surpreende alguém que
eles não tenham história geral no currículo (além do que tange a história
deles, é claro - afinal, a revolução francesa só faz sentido pelo que 
causou nos EUA...)

O "Bush é meio louco" e avisou que podia usar armas não convencionais, como
de destruição em massa (leia-se nucleares) se necessário no Iraque.
Quem tem armas nucleares, químicas e de destruição em massa e USA?
O Iraque ou os Estados Unidos? Que me consta o único país _terrorista_
que matou mais de trezentas mil pessoas com explosões nucleares não
foi o Iraque...

> Uma coisa que segue a mesma linha do boicote é o comportamento
> 
> TUDO QUE A MICROSOFT FAZ É RUIM (RUINDOWS)

Aqui você saiu da linha lógica e fez uma afirmação que não tem nada
a ver uma com a outra. Releia-as. 

> E já que é pra botar lenha na fogueira:

Daqui pra frente não vale a pena, não é a proposta de discussão do
argumento..

Use o Mandrake e seja feliz, sinceramente. Na lista Mandrake-br ;-)
Aliás, eu dou o maior apoio, pois a Mandrake é francesa! ;-)

Conscientemente,

Cláudio

P.S. Para quem quiser uma "visão geral" dê uma olhada a essa carta.


CARTA AO PRESIDENTE BUSH 
Por Mia Couto 
 
Senhor Presidente: 
Sou um escritor de uma nação pobre, um país que já esteve na vossa lista negra. Milhões de moçambicanos desconheciam que mal vos tínhamos feito. Éramos pequenos e pobres: que ameaça poderíamos constituir ? A nossa arma de destruição massiva estava, afinal, virada contra nós: era a fome e a miséria. 
Alguns de nós estranharam o critério que levava a que o nosso nome fosse manchado enquanto outras nações beneficiavam da vossa simpatia. Por exemplo, o nosso vizinho - a África do Sul do "apartheid" - violava de forma flagrante os direitos humanos. Durante décadas fomos vítimas da agressão desse regime. Mas o regime do "apartheid" mereceu da vossa parte uma atitude mais branda: o chamado "envolvimento positivo". O ANC esteve também na lista negra como uma "organização terrorista!". Estranho critério que levaria a que, anos mais tarde, os taliban e o próprio Bin Laden fossem chamadas de "freedom fighters" por estrategas norte-americanos. 
Pois eu, pobre escritor de um pobre país, tive um sonho. Como Martin Luther King certa vez sonhou que a América era uma nação de todos os americanos. Pois sonhei que eu era não um homem mas um país. Sim, um país que conseguia dormir. Porque vivia sobressaltado por terríveis factos. E esse temor fez com que proclamasse uma exigência. Uma exigência que tinha a ver consigo, Caro Presidente. E eu exigia que os Estados Unidos da América procedessem à eliminação do seu armamento de destruição massiva. Por razão desses terríveis perigos eu exigia mais: que inspectores das Nações Unidas fossem enviados para o vosso país. Que terríveis perigos me alertavam? Que receios o vosso país me inspiravam? Não eram produtos de sonho, infelizmente. Eram factos que alimentavam a minha desconfiança. A lista é tão grande que escolherei apenas alguns: 
- Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atómicas sobre outras nações; 
- O seu país foi a única nação a ser condenada por "uso ilegítimo da força" pelo Tribunal Internacional de Justiça; 
- Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas (incluindo o terrorista Bin Laden) a pretexto de derrubarem os invasores russos no Afeganistão; 
- O regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquanto praticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos curdos em 1998); 
- Como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA. Depois de preso e torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídico; 
- Como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi por vossos agentes conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior em África. A ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA até que ele deixou de ser conveniente, em 1992; 
- A invasão de Timor Leste pelos militares indonésios mereceu o apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi "o assunto é da responsabilidade do governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade"; 
- O vosso país albergou criminosos como Emmanuel Constant um dos líderes mais sanguinários do Taiti cujas forças para-militares massacraram milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades solicitaram a sua extradição. O governo americano recusou o pedido. 
- Em Agosto de 1998, a força aérea dos EUA bombardeou no Sudão uma fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava-se de uma retaliação dos atentados bombistas de Nairobi e Dar-es-Saalam. 
- Em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foi o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim, a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinquenta e três países. 
- Em 1953, a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irão na sequência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados. A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa. 
- Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA bombardearam: a China (1945-46), a Coreia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo (1964), o Peru (1965), o Laos (1961-1973), o Vietname (1961-1973), o Camboja (1969-1970), a Guatemala (1967-1973), Granada (1983), Líbano (1983-1984), a Líbia (1986), Salvador (1980), a Nicarágua (1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o Afeganistão (1998), a Jugoslávia (1999) 
- Acções de terrorismo biológico e químico foram postas em prática pelos EUA: o agente laranja e os desfolhantes no Vietname, o vírus da peste contra Cuba que durante anos devastou a produção suína naquele país. 
- O Wall Street Journal publicou um relatório que anunciava que 500 000 crianças vietnamitas nasceram deformadas em consequência da guerra química das forças norte-americanas. 
Acordei do pesadelo do sono para o pesadelo da realidade. A guerra que o Senhor Presidente teimou em iniciar poderá libertar-nos de um ditador. Mas ficaremos todos mais pobres. Enfrentaremos maiores dificuldades nas nossas já precárias economias e teremos menos esperança num futuro governado pela razão e pela moral. Teremos menos fé na força reguladora das Nações Unidas e das convenções do direito internacional. Estaremos, enfim, mais sós e mais desamparados. 
Senhor Presidente: 
O Iraque não é Saddam. São 22 milhões de mães e filhos, e de homens que trabalham e sonham como fazem os comuns norte-americanos. Preocupamo-nos com os males do regime de Saddam Hussein que são reais. Mas esquece-se os horrores da primeira guerra do Golfo em que perderam a vida mais de 150 000 homens. 
O que está destruindo massivamente os iraquianos não são as armas de Saddam. São as sanções que conduziram a uma situação humanitária tão grave que dois coordenadores para ajuda das Nações Unidas (Dennis Halliday e Hans Von Sponeck) pediram a demissão em protesto contra essas mesmas sanções. 
Explicando a razão da sua renúncia, Halliday escreveu: "Estamos destruindo toda uma sociedade. É tão simples e terrível como isso. E isso é ilegal e imoral". Esse sistema de sanções já levou à morte meio milhão de crianças iraquianas. 
Mas a guerra contra o Iraque não está para começar. Já começou há muito tempo. Nas zonas de restrição aérea a Norte e Sul do Iraque acontecem continuamente bombardeamentos desde há 12 anos. Acredita-se que 500 iraquianos foram mortos desde 1999. O bombardeamento incluiu o uso massivo de urânio empobrecido (300 toneladas, ou seja 30 vezes mais do que o usado no Kosovo) 
Livrar-nos-emos de Saddam. Mas continuaremos prisioneiros da lógica da guerra e da arrogância. Não quero que os meus filhos (nem os seus) vivam dominados pelo fantasma do medo. E que pensem que, para viverem tranquilos, precisam de construir uma fortaleza. E que só estarão seguros quando se tiver que gastar fortunas em armas. Como o seu país que despende 270 000 000 000 000 dólares (duzentos e setenta biliões de dólares) por ano para manter o arsenal de guerra. O senhor bem sabe o que essa soma poderia ajudar a mudar o destino miserável de milhões de seres. 
O bispo americano Monsenhor Robert Bowan escreveu- lhe no final do ano passado uma carta intitulada "Porque é que o mundo odeia os EUA ?" O bispo da Igreja Católica da Florida é um ex--combatente na guerra do Vietname. Ele sabe o que é a guerra e escreveu: "O senhor reclama que os EUA são alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Que absurdo, Sr. Presidente ! Somos alvos dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas odiosas. Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes popularmente eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches desejosos de vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas multinacionais ? E o bispo conclui: O povo do Canadá desfruta de democracia, de liberdade e de direitos humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas canadianas, norueguesas ou suecas? Nós somos odiados não porque praticamos a democracia, a liberdade ou os direitos humanos. Somos odiados porque o nosso governo nega essas coisas aos povos dos países do Terceiro Mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas multinacionais." 
Senhor Presidente: 
Sua Excelência parece não necessitar que uma instituição internacional legitime o seu direito de intervenção militar. Ao menos que possamos nós encontrar moral e verdade na sua argumentação. Eu e mais milhões de cidadãos não ficamos convencidos quando o vimos justificar a guerra. Nós preferíamos vê- lo assinar a Convenção de Kyoto para conter o efeito de estufa. Preferíamos tê-lo visto em Durban na Conferência Internacional contra o Racismo. 
Não se preocupe, senhor Presidente. A nós, nações pequenas deste mundo, não nos passa pela cabeça exigir a vossa demissão por causa desse apoio que as vossas sucessivas administrações concederam apoio a não menos sucessivos ditadores. A maior ameaça que pesa sobre a América não são armamentos de outros. É o universo de mentira que se criou em redor dos vossos cidadãos. O perigo não é o regime de Saddam, nem nenhum outro regime. Mas o sentimento de superioridade que parece animar o seu governo. O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA. Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos. 
Eu gostaria de poder festejar o derrube de Saddam Hussein. E festejar com todos os americanos. Mas sem hipocrisia, sem argumentação e consumo de diminuídos mentais. Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países pequenos, temos uma arma de construção massiva: a capacidade de pensar. 



Reply to: