{Longa] Re: [OFF-TOPIC] Línguas
Olá pessoALL!
Bem... já que até o KoV está se permitindo manter essa
discussão Off-Topic na d-u-p (normalmente ele mandaria flames pedindo
para que fosse movido para a debian-br-offtopic), também eu terei de
dar o meu pitaco. Por favor... não deixe de ler a nota ao final dessa
mensagem.
Tenho observado essa "guerra de argumentos" sobre a língua a
ser utilizada no projeto Debian ou em suas ramificações, bem como as
conseqüências disso para o usuário. Minha posição quanto a isso é a
que segue (faço livre utilização de metáforas para ser melhor
compreendido, já que o tema é, por natureza, prolixo demais):
(1) A Internet é uma cultura. Exatamente como a cultura gaúcha,
paraibana, matogrossense, etc. E como tal tem várias sub-divisões e
localismos;
(2) Em culturas, é fato que ninguém nasce sabendo como se portar
diante das situações sociais envolvidas e inseridas nela. Isso
significa que um gaúcho que tiver crescido sem contato com a sua
cultura-mãe, com certeza não será um gaúcho por usos e costumes, mas
somente por nascimento. Da mesma forma, um novo usuário de Internet
(e todos fomos novatos algum dia) não saberá como se portar ou como
se comunicar com as pessoas inseridas nessa cultura há mais tempo.
(3) Assim como um gaúcho de Cruz Alta e um gaúcho de Porto Alegre tem
variações no seu "dialeto" (um exemplo bem conhecido é a palavra
"manga", que para os Cruzaltenses significa "mangueira de regar
plantas" e para os Portoalegrenses significa a fruta), também as
diversas subculturas da Internet possuem diversos jargões. Talvez o
mais conhecido jargão técnico seja o "Jargão Hacker", cujas palavras
nem sempre tem um significado denotativo semelhante fora do círculo
onde ele é utilizado. (Desafio a todos os integrantes do "Exército
Radical de Libertação da Língua Portuguesa" que encontrem um termo
que substitua "hacker" em todo o seu significado - e "perito" não é
uma boa alternativa).
(4) Todos sabem o quanto sou adepto da "meritocracia" (não... essa
palavra não existe...). Ou seja, gosto de dar crédito a quem tem.
Vamos encarar os fatos: os estadounidenses criaram aquele equipamento
com 2 ou 3 botões que controla um apontador virtual na grande maioria
das vezes em forma de seta nas telas de quase todos os computadores
em todo o mundo. Eles o chamaram de "mouse". Respeito a opinião dos
nossoa amigos portugueses que, deliberadamente, o chamam de "rato",
mas gosto de chamar de "mouse", pois essa palavra o denomina em
qualquer parte do mundo (mesmo em Portugal). Mas, além da facilidade
de comunicação, porque não dar crédito aos estadounidenses por essa
contribuição à informática? Se formos pensar de outra forma,
deveremos aceitar que os estadounidenses chamem a ótima
linguagem de programação brasileira conhecida por "Lua" de "Moon" sem
reclamar. Acho que não gosto dessa idéia.
(5) Quanto aos maneirismos dentro de uma sub-cultura (coisas como
"printar", "downloadear", etc). Qual o problema? Dentro de uma
comunidade como a nossa, esses termos são perfeitamente entendidos.
Se não forem, como é o caso dos novatos, uma pequena mensagem
perguntando não será nenhuma ofensa (desde que não seja feito
publicamente, como em uma lista de discussão e que a pergunta não
tenha sido feita centenas de vezes). Pergunto aos não-gaúchos dessa
lista: Vocês sabem o que é "Chula"[1]? Ou "Maçanico"[2]? Ou
"Arroz-de-China"[3]? Quem nunca teve contato com a minha cultura não
saberá do que se trata. Se eu, deliberada ou inadvertidamente
utilizar esses termos em uma mensagem, não terei problemas em
explicar o significado para os não iniciados. Da mesma forma como se
eu utilizar "downloadear", não terei problemas em explicar seu
significado. (Aliás, não sei que termo em português substituiria
"downloadear". E não me digam que "baixar" é uma boa alternativa -
mais um desafio ao "Exército Radical de Libertação da Língua
Portuguesa").
(6) Culturas são voláteis. Se morrerem todos os gaúchos de Cruz Alta
(como na improvável queda de uma bomba atômica), provavelmente
ninguém mais utilizará o termo "manga" referindo-se à "mangueira de
regar plantas". Da mesma maneira, se "printar" não "pegar" e o KoV se
retirar da lista, provavelmente ninguém mais utilizaria esse termo.
Contudo, se o termo "pegar", os novatos terão de aprender o seu
significado para estarem inseridos nessa cultura. Alguem vê algum
problema nisso? Nós fazemos a nossa cultura.... continuamente.
(7) Isso acontece em todas as áreas de conhecimento e culturas. Há
alguns anos, o osso da perna antigamente conhecido por "perônio" (uma
homenagem à primeira pessoa que o descreveu) foi renomeado para
"fíbula" (um nome mais descritivo, já que o osso é fino). A
comunidade acadêmica que estuda anatomia (médicos, enfermeiros,
professores de ed. física, etc) não aceitou essa tranformação muito
bem. Em parte por esquecimento do novo nome... em parte por
"meritocracia" (pense: se vc descrevesse um osso, não gostaria que o
seu nome fosse "emprestado" para ele?). Como os mestres continuam
tratando o bendito osso de perônio, a grande maioria dos acadêmicos
acaba tratando ele também por perônio, embora o seu nome oficial seja
fíbula. Qual o problema? Desde que eu fale em "perônio" e todos
saibam do que se trata.
Bem... desculpem a longa mensagem (e o fato dela não ser um
Documento Livre), mas espero que meu ponto tenha ficado claro.
Como de costume, flames irão direto e silenciosamente para
/dev/null, portanto, não se incomode. Comentários, no entanto, são
bem-vindos, desde que obedeçam a nota ao final da mensagem.
Como última sugestão, peço a todos que quiserem que dêem uma
olhada na netiqueta (sim.. essa palavra também não existe) do grupo
Debian-RS (que pode ser encontrada em
http://debian-rs.sourceforge.net/netiqueta.html/ )
[]s
Pablo (coberto com uma grossa camada de amianto e máscara
contra fumaça)
P.S. Para os que ficaram curiosos em saber:
[1] Chula é uma dança típica do Rio Grande do Sul em que dois ou mais
homens dançam no ritmo de uma gaita (acordeon) em torno de uma lança.
Antigamente era a maneira utilizada para evitar disputas até a morte
pelo amor de uma mulher (já que não podíamos nos dar ao luxo de
perder homens por bobagens quando estavamos no meio de uma guerra). A
necessidade de uma chula era determinado pelo "posteiro"... o
"leão-de-chácara" da estância ou baile em questão.
[2] Maçanico é o nome de um pássaro típico dos banhados e alagados do
Rio Grande do Sul. Também é o nome de uma dança típica que servia para
apresentar as senhoritas solteiras aos seus pretendentes e/ou futuros
maridos. Em uma passagem da letra se repete: "Quem não dança Maçanico
não arruma namorado".
[3] Arroz-de-China é o nome de uma comida típica da região platina do
Rio Grande do Sul. Porque essa região era uma parada de tropeiros,
muitos bordéis se acumularam por lá (também conhecidos como Casas de
Chinas/Putas). O que acontecia é que os tropeiros assavam churrasco
nas noites antes de se "amigarem" com as Chinas. A carne menos
consumida nesses churrascos era o salsichão assado, e sempre sobrava.
No dia seguinte, antes de seguir viagem, o salsichão era picado e
cozido com arroz e constituía o almoço dos que passavam a noite nas
Casas de Chinas. Por isso adotou-se o nome de "Arroz-de-China".
Nota: O artigo acima é de minha autoria. No exercício dos meus
direitos autorais, permito a cópia, distribuição e/ou modificação
deste artigo desde que essas atividades sejam exercidos dentro da
lista Debian-Br-Offtopic, em seu arquivo, ou em mensagens privadas.
Não permito reenvio parcial ou total do artigo acima para quaisquer
outros lugares sejam eles virtuais ou não. Além disso, a menção do
autor e dessa nota são obrigatórios. :-)
(Bem... acho que essa mensagem não é compativel com a DFSG... mas...
espero que contribua para acabar com esse assunto chato)
--
Pablo Lorenzzoni (Spectra) <spectra@debian.org>
GnuPG PubKey at search.keyserver.net (Key ID: 268A084D)
Webpage: http://people.debian.org/~spectra/
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